sábado, 4 de dezembro de 2010

Entrevista: Adhemar (ex-São Caetano) diz: " pena que a gente fica experiente depois de velho na vida"


Maior artilheiro da história do São Caetano, Adhemar Ferreira de Camargo Neto, escolheu a cidade de Porto Feliz para curtir sua aposentadoria. O ex-atacante começou sua carreira em Salto, passou pelo Estrela de Porto Feliz e brilhou no time do ABC, onde conquistou vários títulos e um histórico vice-campeonato nacional. Jogou ainda na Alemanha, Coréia do Sul e Japão. Hoje, perto dos 39 anos, é o fundador do projeto social "Bom de Bola, Bom na Escola" e nesta semana falou com exclusividade a esse blogueiro sobre sua carreira, gols e jogos importantes, o drama de sair do futebol e até mesmo, de política. Confira:

Como foi seu início de carreira?
Adhemar: Eu comecei no juvenil da Saltense em 1988. Quem me levou foi o senhor José Dias, um empresário que começou a levar alguns jogadores para a Rússia. Fiquei em Salto cerca de dois anos. Saí da Saltense abandonei o futebol, pois fui prestar o serviço militar. E não dava mais para eu jogar futebol e servir o Exército.

Passou pela sua cabeça não jogar mais bola e se dedicar a outra profissão?
Adhemar: Sim, pensei em várias profissões, inclusive em ser professor; cheguei a cursar uma faculdade de artes plásticas em Araras, e percebi que não era minha área. Porém, voltando um pouco, durante o período que prestei o serviço militar minha cabeça nunca foi voltar a jogar futebol.

Isso aconteceu em que ano?
Adhemar: Isso aconteceu em 1990. Terminando o serviço militar em 1991 vim para o Estrela a convite de um amigo meu que era zagueiro, e que me contou que um time que era de Itu havia mudado para Porto Feliz. Joguei por uma temporada no juniores e no segundo ano subi para o profissional.

O que o Estrela representou para você?
Adhemar: Foi o pontapé inicial para minha carreira profissional. Porque muita gente às vezes taxa uma equipe pequena de segunda divisão fadada ao esquecimento. Ouvi de algumas pessoas que no Estrela eu não iria para lugar nenhum, mas, na verdade quando eu entrei no futebol profissional percebi que teria que jogar cada vez mais e me aperfeiçoar cada vez mais.

Quais foram às pessoas que fizeram parte do seu ingresso no futebol profissional?
Adhemar: Dr. Cesar, presidente do Estrela na época. O Moacir, treinador daqui da cidade (Porto Feliz) na categoria Juniores e também o Alan Sampaio, na época do Estrela. Mas acho que o maior incentivador foi o meu pai. Ele nem chegou a ser jogador de futebol, mas sempre me estimulou.

Depois do Estrela qual foi sua trajetória?
Adhemar: Nesse meio tempo do Estrela estive emprestado para o São José dos Campos e fui em 1993 para o aspirante do Corinthians, voltei fui para o São José e joguei a série A-2 e retornei em 1994 para Porto Feliz, quando o time faliu. Aí meu sogro comprou meu passe, na época foi uma negociação difícil (risos) e saiu por R$ 5 mil. Para os moldes do futebol de hoje, essa quantia é praticamente uma piada.

Seu sogro comprou teu passe e aí o que aconteceu?
Adhemar: Aí eu fui emprestado para o São Bento, onde joguei o Campeonato Paulista da Série A-3 em 1995. Então o São Bento ficou de comprar meu passe por R$ 36 mil em três parcelas de R$ 12 mil. Porém, a negociação não deu certo, e uma pessoa que tomava conta das negociações e contratações do São Caetano meu viu jogando um determinado dia e me pediu para ser emprestado no final de 1996 para o time do ABC.

Tem algum técnico que marcou sua carreira?
Adhemar: Sim. Jair Picerni foi uma pessoa que além de me treinar, me deu muitas instruções como pessoa. Ele achou o meu local de jogo. Além dele, teve o Geraldo Bovice uma pessoa que me deu muita tática e conhecimento de campo.

O gol no Maracanã, que eliminou o Fluminense da Copa João Havelange, foi o mais importante de sua carreira?
Adhemar: Sim. O mais importante e um dos mais bonitos, porque já fiz gols muito mais belos que aquele, que não passaram na televisão e que tiveram importância também. Mas esse com certeza, pela distância e a situação que nos proporcionaria, de eliminar uma equipe maior, foi inesquecível. Acho também que esse gol foi um marco na história do São Caetano.

Qual foi a sensação após o jogo com o Fluminense?
Adhemar: Havia uma euforia, uma alegria do pessoal. Na segunda-feira o celular não parava de tocar. No mesmo dia fui levar meus filhos ao dentista e quando cheguei no local, duas equipes de TV me esperavam para eu dar entrevista. Aí começou a cair a ficha, porque logo em seguida jogamos contra o Palmeiras e o reconhecimento foi aumentando.

O que aconteceu em São Januário antes da final contra o Vasco?
Adhemar: Logo na entrada do estádio, as pessoas balançavam o ônibus. Quando entramos no vestiário estava muito quente e trancaram a porta para que nós tocássemos de roupa e começássemos o aquecimento ali mesmo. Sentimos um mal estar. Quando deu cinco minutos para começar a partida, o Dr. Eurico Miranda autorizou a entrada no gramado. Começa o jogo com nosso time pressionando, o Romário sente a coxa e quando ele passa na frente da torcida para entrar no túnel, o pessoal desceu para falar que ele era pipoqueiro e nisso vem o resto do pessoal como um dominó humano e cai a grade de proteção. Começou a cair gente naquele poço. A cena que mais me marcou foi o pai que saiu com a filha no colo, pois uma lança havia perfurado o pulmão da garotinha e ele a abraçava e saia muito sangue. Outra imagem é do pessoal muito machucado e o Eurico Miranda chutando o pessoal e mandando embora para continuar o jogo. Ele chegou a fazer uma faixa de isolamento com cones para continuar o jogo. Porém, o governador estava assistindo a partida e mandou cancelar.

Vocês sofreram alguma pressão antes de ser remarcado esse jogo?
Adhemar: Eu acho, isso são boatos da época, mas o São Caetano era um time da Série B e tinha vaga automática na Libertadores, mas se a gente não jogasse, por meios jurídicos poderíamos ser considerados campeões. Porém, não tínhamos força política para suportar um Eurico Miranda na época.

Você quase foi negociado com o São Paulo?
Adhemar: Eu tinha assinado com o São Paulo, uma semana antes de acertar com a Alemanha. Só que o São Paulo queria pagar para o São Caetano o valor em real e o time da Alemanha pagava em dólar, que na época era cotado quase a R$ 4 cada dólar. Foram R$ 8 milhões pagos pelo meu passe e o clube da Alemanha cobriu a oferta do São Paulo.

E com o Palmeiras, o que aconteceu?
Adhemar: Era para ir eu e o Adãozinho. Eu já tinha acertado com o Fred Smânia, que era o auxiliar do Jair Picerni, mas o seu Mustafá, na época presidente do Palmeiras, achou que eu estava velho para o futebol e a negociação acabou não se concretizando.

Como foi sua passagem pela Alemanha?
Adhemar: Dentro do que eu esperava foi boa. Um campeonato muito difícil, hoje nós temos até um portofelicense naturalizado que joga lá, o Igor. Eu cheguei numa situação em que o clube estava na lanterna do campeonato e precisávamos sair daquela situação. Eu fiz 11 gols em 14 partidas e ajudei a tirar o time do rebaixamento neste ano. Tive uma recepção fantásticas, os brasileiros que estavam lá me ajudaram muito.

Na Coréia que começaram as contusões?
Adhemar: Sim. Tive uma contusão no ombro que foi mais difícil e eu precisei voltar para o Brasil para fazer um tratamento. Depois fui para o Japão, mas voltei a ter problemas. Logo no primeiro exame foi detectado que precisaria fazer uma cirurgia. Voltei para o Japão, pedi desculpas para os dirigentes do clube. Disse que queria jogar, mais não tinha força física, eu tive o problema de hipertirioidismo que me deixava muito debilitado e eu emagrecia muito. Joguei três partidas apenas.

Como foi abandonar o futebol?
Adhemar: Foi difícil, porque você não está preparado para parar nunca. Eu sempre achava que estava preparado, mas quando eu recebi a notícia que tinha que fazer tratamento para a tireóide, pelos medicamentos que eu tive que tomar, achei melhor parar. Até hoje eu brinco que vou voltar a treinar e a jogar. É difícil porque você acha que vai fazer aquilo pelo resto da sua vida, muitos jogadores têm problema com o fim da carreira.

Falando do Campeonato Brasileiro que termina neste domingo. Você acha que Palmeiras e São Paulo entregaram seus jogos para o Fluminense?
Adhemar: Olha, os jogadores não estavam enfiando a perna na bola como deveriam enfiar. O maior absurdo foi o Kleber (atacante do Palmeiras) que parecia estar jogando de volante. Eu acho que existiu, mas não tenho como provar. Seria mais bonito não jogar do que participar de uma marmelada como essas.

E quem será o campeão brasileiro neste domingo?
Adhemar:
Vai existir mala branca, principalmente para o Guarani. Mas acho que a qualidade técnica do Fluminense é maior. Há muita disparidade entre as equipes. Eu acho que está resolvido a favor do time carioca.

Por que você decidiu curtir a aposentadoria em Porto Feliz?
Adhemar: Na realidade, eu, quando parei, pensei em morar em São Caetano e vi que cidade grande não era meu forte, afinal eu não gosto de trânsito e lá tem a violência também. Quando eu vim para Porto Feliz, confesso que passou pela minha cabeça que eu não aguentaria uma semana, mas com o tempo me acostumei com a cidade e hoje tento melhorar a qualidade de vida dos meninos com meu projeto social "Bom de Bola, Bom na Escola".

E como surgiu esse projeto?
Adhemar: Uma tarde fui em um terreno que eu tinha comprado aqui em Porto, parei e pensei até em construir casas. Mais daí eu comecei a pensar que eu poderia beneficiar e melhorar a vida de algumas crianças. Dar novas oportunidades, eu pensei em todas as chances que essas crianças poderiam ter, para mim se 10 crianças tiverem um futuro melhor já é uma grande vitória. Posso incentivá-los a melhorar seu estudo, aliás, na escola, para frequentar o projeto é necessário ter média mínima de sete.

Hoje vocês atendem quantas crianças?
Adhemar: Entre manhã e tarde temos em torno 120 crianças só de Porto Feliz.

Você pretende estender esse convite pela região?
Adhemar: Sim. Eu recebi um convite do Secretário da Educação de Sorocaba. Porque na verdade o projeto é bem simples, sem muitas cláusulas. O aluno pode treinar com um material personalizado e pode disputar várias competições, é claro, tendo disciplinas e média escolar. Já tive casos de diretores que me ligaram pra reclamar de alunos por disciplina e em uma semana estava resolvido.

Se houvesse um convite do Juninho Paulista para disputar o Paulistão de 2011 pelo Ituano, você aceitaria?
Adhemar: A situação é meio difícil. Hoje o time do Juninho está praticamente formado você não tem espaço de tempo para um ex-profissional. Acho também que não teria tempo, tenho que usar mais a razão do que o coração. Pelo coração seria um prazer voltar a jogar futebol profissional, ter tempo para me preparar, mas existe uma série de empecilhos, esse é um lado que eu gostaria de citar nesta entrevista, pena que a gente fica experiente depois de velho na vida.

O futebol de hoje é diferente do futebol da década de 90? O que dá para deixar de mensagem para essa garotada que está começando agora?
Adhemar: Infelizmente muita coisa mudou para pior, hoje você tem um garoto de 14 anos, com 1m80 de altura, ele já tem meio caminho andado. Isso desestimula quem já não tem tanta altura, como era o meu caso. Mais tem muita coisa que passa de geração para geração, como a disciplina, a humildade dos meninos, a determinação em cumprir ordens táticas e respeitar os companheiros de equipe. Essas qualidades para o futebol já te ajudam, se além de tudo isso, mais a força que é essencial, você tiver um pouco mais de técnica, aí você já é craque! Quando aparece um Neymar da vida então, aí você já tem que dar o rótulo de craque para ele.

Você pensa na política? De repente, o Ademar pode sair como futuro vereador ou prefeito de Porto Feliz?
Adhemar: Olha, a curto prazo não. Infelizmente falando, existem políticos bons, treinadores bons, diretores bons, mas a classe política é taxada e generalizada como corrupta. Então, ás vezes você pensa em querer beneficiar e não tem força. Eu pensei muito nisso, pelo conhecimento que eu tenho e por ter viajado muito poderia até ajudar mais na cidade, mas na política eu não teria força se eu não tivesse aliados, e o pior, de repente tudo o que você construiu, toda a história de luta e superação é jogado fora, por quatro anos, para brigar dentro de uma Câmara de Vereadores onde meia dúzia de cabeças antiquadas podem não apoiar um projeto que para você pode beneficiar milhares de pessoas. Coisas da política, que todo mundo sabe que existe. Eu acho que não vale a pena.

Como você analisa a cidade de Porto Feliz?
Adhemar: Muito boa, com grandes perspectivas de crescimento. Com um povo muito hospitaleiro que precisa abrir um pouco a cabeça para melhorar muita coisa. Mais na simplicidade do povo a gente vê a riqueza que é Porto Feliz e eu acho ainda que pode ser taxada, assim como São Caetano foi de melhor cidade em condições de vida, pode ser que não tenhamos tanta infraestrutura, mas nós temos um povo que com certeza é o melhor do país.

2 comentários:

Robson Candiani disse...

De repente... reforço pra temporada 2011 do futmesa do Bloco do "R"/Ituano...

ashaishaishiahsihasa

Unknown disse...

Ele pode não ser um bom reforço para o Ituano em 2011, mas com certeza é e sempre será mais que um reforço na vida de muitos meninos e meninas do projeto Bom de bola , Bom na Escola .
Eu acompanho de perto este projeto e conheço quem é o verdadeiro Adhemar .
Valeu campeão !!!!!!!!!!
Somos seus eternos fãs !!!!!!!!!!!111